História das Idéias Políticas

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009


Olá a todos meus caros leitores, hoje resolvir postar algo diferente. Estou lendo um livro no que tange a história do pensamento ocidendal político, que faz suscitar reflexões sobre a sociedade em que vivemos. Diante do perfil desta grandiosa obra, será exposto aqui um comentário conforme achei adequado a este livro, extraído do blogger: http://www.avozdocidadao.com.br/blog/2008/01/histria-das-idias-polticas_29.html . Quando estiver com um pouco mais de tempo e terminar o livro, prometo aqui postar com minhas próprias palavras uma resenha crítica de História das Idéias Políticas, mas a priori, indico a todos que se interessam por tal tema.

História das idéias políticas

História das idéias políticas, de François Châtelet, Olivier Duhamel e Evelyne Pisier-Kouchner, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1985
Embora escrito no início dos anos 80, antes da queda do muro de Berlim, os conceitos da filosofia política clássica permanecem consistentes neste grande compêndio dos autores franceses. Sobretudo quando caracteriza a história das idéias políticas a partir de suas várias teorias do Estado, como os estados teocráticos da antiguidade, o estado dos principados da Renascença, o Estado-nação dos nacionalismos românticos iluministas, o Estado-sociedade dos socialistas utópicos, o Estado-partido dos comunistas etc, até mesmo o Estado colocado em questão a partir das rebeliões e contraculturas dos anos 60.É de se destacar que o confronto entre estados despóticos ou tiranos e estados democráticos, que seriam melhor chamados de nomocráticos (nomos = lei, governo da lei) sempre existiu, mesmo que em teocracias pré-helênicas.
Portanto, de saída constatamos que a luta da cidadania contra os governantes precede mesmo a constituição da pólis grega. Com o advento do Império Romano, vemos se constituir o principal atributo do imperador que é a auctoritas, a qualidade moral que lhe permite julgar o que é mais conveniente para o bem público. Se na Renascença temos de um lado Lutero rompendo com a autoridade política do Pontífice romano (1517), temos de outro lado Maquiavel teorizando sobre a correta conduta do Príncipe (1513) para manter seu poder no principado, resumido na máxima de que os fins justificam os meios.
Mais adiante, ainda no século XVI, teremos também um Étienne de La Boétie com seu célebre Discurso da servidão voluntária (1549), onde questiona pela primeira vez que a fonte de poder dos governantes, na verdade, provém do consentimento dos cidadãos, o que o torna, por natureza, limitado. Se poder é uma capacidade de agir e produzir efeitos na sociedade, a autoridade é o poder político instituído e controlado por esta mesma comunidade. Se Thomas Hobbes (no início do século XVII e antes da revolução gloriosa inglesa de 1688) nos adverte para a necessidade de um Leviatã para proteger e proporcionar segurança aos cidadãos, John Locke, já no final do século XVII, em 1690 escreve o Segundo tratado do governo civil, onde vai priorizar a soberania dos próprios cidadãos como poder legislativo sobre a própria autoridade dos governantes. Neste instante é que se recupera na modernidade a correspondência entre o princípio da propriedade e o direito político de participação na gestão dos negócios públicos originária da pólis grega. Com o Bill of Rights (1690) a Inglaterra constitui o valor da propriedade privada da terra, e dos utensílios de trabalho, como direito individual de apropriação do produto do trabalho humano, e limita a ação dos reis e de seus direitos naturais e divinos ao próprio império das leis emanadas dos cidadãos. O que dará margem a Montesquieu no século XVIII construir a teoria da separação dos poderes: “a corrupção dos governos começa quase sempre pela corrupção dos próprios princípios”, citando o próprio quando se refere, por exemplo, à honra como princípio de respeito indiscutível às leis e aos contratos, e nobre atributo de alguns aristocratas e não forçosamente de toda a nobreza.
Portanto, a missão ontológica dos governos é a garantia dos direitos dos cidadãos a uma ordem legal (o poder legislativo delibera, o poder judiciário julga e o executivo executa leis e sentenças), garantia da vida, da segurança, de suas propriedades e contratos, para que os cidadãos circulem livremente e seus bens também circulem como mercadorias que produzirão a riqueza de toda a sociedade. O que torna “a mão invisível” da economia de Adam Smith não tão invisível assim, pois presente através do império da lei. E se a França vai constituir a República baseada nos princípios romântico-idealistas da liberdade (sem o limite da lei), da fraternidade e igualdade (restritas à obediência da lei), acaba por desencadear um processo político capaz de comprometer os valores universais da tradição humanista como a vida, a segurança, a legalidade, a propriedade e a própria liberdade de controlar os governos.
É um político irlandês, o aristocrata Edmund Burke (1729 – 1797), defensor da liberdade religiosa dos católicos e da independência americana que, em suas Reflexões sobre a revolução francesa (1790), fará a crítica da razão como único instrumento de elaboração das leis, e não os costumes e tradições culturais e sociais. Se o povo inglês é livre do terror dos governantes, é porque aprendeu no curso da história a construir instituições diversificadas que garantem liberdades concretas de se associar, empreender e se apropriar do produto de seu trabalho, ao invés de reivindicar uma liberdade geral baseada apenas em princípios idealistas. Tratava-se na verdade da primeira crítica ao idealismo romântico de Rousseau do contrato social pois a vontade geral pode sacrificar legítimos direitos de minorias. Somente no século XIX, um pensador liberal francês, Benjamin Constant (1767 – 1830), em sua obra Princípios de Política (1815) afirmará: “defendi durante quarenta anos o mesmo princípio: a liberdade na religião, na literatura, na filosofia, na indústria, na política; e, por liberdade entendo o triunfo da individualidade, tanto sobre a autoridade de quem pretendesse governar pelo despotismo, quanto sobre as massas que reclamassem o direito de subjugar a minoria.” Constant dá forma concreta ao valor da liberdade, que é a de que tudo é permitido desde que não proibido por força da lei, inclusive se empreender e dispor de sobre suas propriedades, mesmo que abusando das mesmas; enfim, legitimando pela propriedade pagadora de impostos o direito de cada cidadão de influir na administração pública e nos atos de poder dos governos.
Alexis de Tocqueville (1805 – 1859) escreve na mesma época A democracia na América (1835) e defende a necessidade de os governantes desenvolverem um poder judiciário forte e independente, que possa garantir efetivamente a controvérsia democrática, as associações civis e a constituição de uma administração pública eficiente e centralizada: “é no município que reside a força dos povos livres; as instituições dos governos municipais são para a liberdade o que as escolas primárias são para a ciência. Sem instituições municipais fortes e independentes uma nação pode ter um governo livre, mas não possui de fato o espírito da liberdade. E afirmo: para combater os males que o igualitarismo pretende produzir há apenas um remédio eficaz, que é a própria liberdade política do cidadão.” Tocqueville estava contraditando a utopia dos proto-socialistas como Saint-Simon (1760 – 1825) que, no Catecismo dos industriais (1823), pretende eliminar a mediação dos políticos, sejam aristocratas ou cidadãos comuns, da administração racional e positiva dos negócios públicos. Auguste Comte (1798 – 1857), defensor ardoroso do progresso da Humanidade através da ciência, radicalizará a proposta de uma hierarquia das competências, onde os sábios produzem os conhecimentos sobre a natureza física e social, os publicistas a difundem em planos de ação, os governantes a executam e o povo obedece, para seu maior proveito. O percurso para se chegar ao bem da humanidade é a pátria que ensina a solidariedade e a família que transmite os princípios morais. A sua filosofia da história determina que só se alcança a era positiva dos valores da humanidade quando se supera a era teológica, onde se elocubra a partir dos desígnios dos deuses, e a era metafísica, onde se elocubra sobre razões transcendentais. A construção de seu sistema positivista, que culmina com a contradição da instituição da religião da humanidade, de certa forma vai na mesma direção da construção de outros grandes sistemas políticos de interpretação da história, como por exemplo, quase na mesma época, o de Karl Marx (1818 – 1883), tributário e questionador das três grandes fontes do pensamento político europeu: a filosofia iluminista alemã de Kant e Hegel, a economia política inglesa de Adam Smith e David Ricardo, e o socialismo francês de Fourier, Saint-Simon e Proudhon.
Executor testamentário de Engels, fundador da social-democracia alemã, o político e pensador alemão Eduard Bernstein (1850 – 1932), nos Pressupostos do socialismo (1899) elabora a crítica humanista e política do marxismo quando recusa assimilar a democracia à dominação da classe burguesa e a inevitabilidade do socialismo. Para ele, a democracia é a própria ausência da dominação de classe, um estado social onde nenhuma classe pode deter privilégio em face da comunidade, onde se pode superar a dominação de classe, mesmo que não se suprimam as próprias classes sociais. A exigência, portanto, de uma ordem legal, na democracia, precede historicamente a própria afluência da burguesia e é a garantia fundamental do Estado democrático de direito. Outro pensador que fará contraponto a Karl Marx é Max Weber (1864 – 1920): Se Marx explica a história pela determinação econômica em última instância, Weber vai contrapor com a determinação ideológica e religiosa. Quando a limitação do consumo é combinada com a liberação das atividades de busca de riqueza, o resultado prático inevitável é o acúmulo de capital mediante a compulsão ascética para a poupança, pois as restrições impostas ao gasto de dinheiro servirão naturalmente para aumentá-lo, possibilitando o reinvestimento produtivo do capital.
Por outro lado, a imobilização de capital na compra de terras, por exemplo, é dispensável na medida mesma da honra da palavra empenhada e da força e da firmeza dos contratos de arrendamento mercantil, próprios do ascetismo laico protestante.
Pelo lado do capitalismo, em plena crise da grande depressão americana, John Maynard Keynes (1883 – 1946), economista inglês criador da macroeconomia, decreta o fim do laissez-faire clássico, patrocinando a política de intervenção do Estado na economia, visando, nem que seja temporariamente, a retomada do crescimento da produção, o aumento da renda nacional e o volume de emprego. Keynes se torna o grande fiador do New Deal de Roosevelt, dos programas de assistência social aos trabalhadores como o Social Relief e a profusão de agências federais reguladoras dos mercados. Hayek resgata o valor universal da legalidade e da justiça através da desmistificação esquerdista do valor da igualdade, afirmando a posição liberal clássica da negação de todo privilégio concedido pelo Estado que não a igualdade perante a lei e as condições de oportunidade de ascensão social.
Friedrich Hayek (1899 – 1992), pensador da Escola Austríaca, vai procurar resgatar durante toda a sua vida o sentido histórico do liberalismo clássico inglês do século XVII contra a tempestade romântica e utópica de todos as correntes socialistas que dominaram corações e mentes a partir do século XVIII. Hayek desmonta a “inevitabilidade” da planificação centralizada no Estado na medida em que a mesma interfere na livre formação dos preços nos mercados, condição fundamental para a própria racionalidade do planejamento econômico. Norberto Bobbio (1909 – 2004) é um dos grandes arautos do fim das ideologias no âmbito dos países mais desenvolvidos, quando grandes conquistas até então ditas socialistas são incorporadas às grandes economias de mercado européias e americana, como universalização da previdência, monopólio do Estado na emissão da moeda, controle do comércio exterior, compensações à desigualdade de renda, livre negociação sindical, tributação progressiva etc. Todavia, adverte a cidadania para a condução dos negócios do Estado: o que torna moralmente ilícita toda forma de corrupção política é a presunção de que o homem político que se deixa corromper coloca o interesse individual à frente do interesse coletivo, o bem próprio à frente do bem comum. E assim fazendo falta ao dever de quem se dedica ao exercício da atividade política. Milton Friedmann (1912 – 2006), discípulo de Hayek e expoente da Escola de Chicago, retoma a crítica de que as crises econômicas do século XX não são produto de excessos do capitalismo mas, pelo contrário, dos excessos de políticas intervencionistas e contesta os benefícios do Estado-Previdência moderno e as políticas de planned society defendida por Keynes. Refuta a legislação de proteção social do Estado como meio de diminuição da exploração que, na verdade, só pode ser combatida pelo livre mercado. Discussão que funda nos dias atuais o questionamento do próprio Estado enquanto instrumento da cidadania. Com a queda do muro de Berlim, o fim da guerra fria, cai também a dualidade entre as propostas socialistas e as liberais, aumentando a importância do terceiro setor para a mediação entre as atribuições indelegáveis do Estado e das empresas. Assim como perdura na atualidade a discussão sobre a crise da representação política e do papel da cidadania.

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